terça-feira, 11 de novembro de 2008

A Batalha dos Homens

(livro dos homens - cap.1: The Twin Room Project, parte dois)
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A mente afundada num mangue de letais pensamentos enquanto que de seus olhos saiam em procisão incontiveis lágrimas, doloridas, quase tóxicas. Elas marcavam a pele do seu rosto, abrindo valas, como um esgoto que procura por onde desaguar. Mantinha as mãos serradas fortemente uma na outra, suas unhas – a muito tempo sem corte, algumas quebradas, cravavam-se nela e por aqueles orifícios virgens escorriam gotas do seu sangue ralo, pálido e frio. Seu corpo, depositado num imundo colchonete, mofado e repleto de pulgas, compunha o cenário ao lado de alguns animais mortos e de outros animais vivos – que percorriam desorientados as trilhas de migalhas da comida que não havia mais. As paredes descascadas revelavam o gosto dos primeiros e segundos e consecutivos moradores, o pichamento revelava o gosto dos últimos. Em um canto, resistia precariamente presa à parede, uma pia de cozinha, água até o extremo da sua borda – um líquido esverdeado e podre onde pedaços de carne crua boiavam decompostos. Em outro canto, no mais escuro dos quatro cantos, via-se um lençol embolado e abandonado ao chão - ali escondia-se o que os seus olhos chamais suportariam ver. Era ali que estava tudo... Não haviam janelas. Os sons que ouvia-se eram abafados e roucos – alguns mais claros e nítidos eram produzidos ali mesmo, canos que rangiam, vidros que se quebravam, tijolos que caiam. A pouca luz que invadia o antro, se esgueirava por buracos e rachaduras do forro – que se despedaçava aos poucos. Era por ali que ela espiava o piso superior, deserto, silencioso, tranqüilamente claro. Alucianada, via nele a perdida possibilidade de redenção, o retorno a uma vida que perdeu sem ganhar. Nos breves momentos em que dormia, alguns poucos e curtos que a dor visceral a permitia, perturbava-se com sonhos ruins – experimentava neles a repetida e desesperadora sensação de cair, de desabar, de chocar-se contra o chão após quedas vertiginosas e psicodélicas. A porta do apartamento permanecia entreaberta e aparentava a mesma podridão do que mais havia ali – já não sobrara nenhum brilho na tinta a óleo azul com a qual fora pintada a décadas atrás. Na parede ao lado via-se um antigo interruptor que descia do teto, nele expunha-se marcas de um curto circuito e as manchas de um pequeno incêndio, improvável que funcionasse, e se milagrosamente o fizesse, de nada adiantaria – a lâmpada já havia despencado do forro e seus estilhaços de vidro eram encontrados por todo o chão.

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